O ano de 2024 começou com uma notícia que despertou um grande interesse geral: o primeiro filme do personagem Mickey Mouse, ‘Steamboat Willie’, lançado em 1928, entrou em domínio público nos EUA, gerando uma série de dúvidas sobre o destino de um dos personagens mais conhecidos da cultura pop.
A entrada de uma criação de Walt Disney no domínio público levanta uma série de questões jurídicas e culturais. Como isso afeta outras obras relacionadas a Mickey Mouse? Quais são os limites e as exceções do domínio público? Como o acesso irrestrito a essa obra pode influenciar a cultura popular e a criatividade contemporânea?
Afinal, o que é domínio público?
O domínio público ocorre quando uma obra deixa de estar sob a proteção dos direitos autorais, tornando-se livremente acessível e utilizável pelo público em geral.
Esse fenômeno se materializa quando expira o prazo estipulado pelos direitos autorais de cada país, permitindo que a obra, que antes era restrita, seja agora parte do patrimônio cultural compartilhado.
A principal razão para a existência do domínio público é encontrar um equilíbrio entre o incentivo à criação artística e a garantia de que, em algum momento, as obras se tornem parte integrante do legado cultural da humanidade.
Uma vez que os direitos do autor cessam, a obra deixa de ser uma propriedade exclusiva de seu criador ou detentor original, abrindo-se para usos diversos sem a necessidade de autorização ou pagamento de royalties.
Qual é o prazo para uma obra entrar em domínio público Brasil?
No Brasil, o prazo para uma obra ficar acessível ao público sem autorização é geralmente de 70 anos, contado a partir do dia primeiro de janeiro do ano após a morte do autor.
Este período, estabelecido pelo Artigo 41 da Lei 9.610/98, determina o tempo durante o qual os herdeiros ou detentores dos direitos patrimoniais têm exclusividade sobre a obra.
No caso de obras anônimas e pseudônimas, o prazo de 70 anos é contado a partir da data de sua divulgação, de acordo com o Artigo 43 da mesma lei. Para obras anônimas, em que o autor não é identificado, ou pseudônimas, em que o autor utiliza um nome fictício ou alternativo, o cálculo do prazo começa no ano seguinte à data de divulgação ou publicação da obra.
Já para obras audiovisuais (filmes, novelas, videoclipes, desenhos, seriados de TV) e fotográficas, o prazo de 70 anos é contado a partir da data de sua divulgação ou, se não houver divulgação, da data de sua criação, conforme o Artigo 44 da LDA.
Após o transcurso desse prazo, a obra entra no domínio público, permitindo que seja utilizada, reproduzida e distribuída livremente por qualquer pessoa, sem a necessidade de permissão ou pagamento de royalties.
Por exemplo, as obras de Monteiro Lobato, autor brasileiro conhecido por clássicos da literatura infantil como “Sítio do Picapau Amarelo”, já se encontram em domínio público.
Monteiro Lobato faleceu em 1948, e, de acordo com a legislação, suas obras passaram a ser de domínio público 70 anos após essa data, ou seja, a partir de primeiro de janeiro de 2019.
Vale lembrar que o que está disponível ao público são os livros publicados pelo autor, e não as adaptações feitas para TV, uma vez que as adaptações audiovisuais, possuem os direitos protegidos pela Rede Globo.
E em outros países, qual é o prazo?
Para obras de várias nações, os prazos para entrada no domínio público podem variar significativamente, uma vez que são determinados pelas leis locais de cada jurisdição.
Estados Unidos: Nos EUA, o prazo padrão para a entrada de uma obra no domínio público é de 70 anos após a morte do autor. Entretanto, para obras criadas antes de 1978, o prazo pode ser estendido para até 95 anos. Foi por isso que o primeiro filme de Mickey só foi disponibilizado aos americanos em 2024.
Japão: No país conhecido por seus animes, mangás e tokusatsus, o prazo é geralmente de 70 anos após a morte do autor para obras literárias, artísticas e musicais.
Países da Europa: Na União Europeia, o prazo comum é de 70 anos após a morte do autor. No entanto, existem variações e especificidades entre os países membros, por exemplo, na França, obras póstumas entram em domínio público 25 anos após a publicação.
O que é permitido fazer com uma obra em domínio público?
Uma obra em domínio público pode ser utilizada de diversas formas sem a necessidade de permissão ou pagamento de royalties. Algumas das maneiras mais comuns de utilização incluem: adaptações, traduções, modificações que não prejudiquem a obra original, dentre outros.
No caso de “Steamboat Willie”, é importante observar que, embora o filme em si tenha entrado no domínio público nos Estados Unidos, isso se refere especificamente à versão original de 1928.
Afinal, as versões mais recentes do ratinho mais conhecido do mundo continuam a estar sob proteção de direitos autorais nos Estados Unidos e em outras jurisdições.
No Brasil, o que entra em domínio público são os direitos patrimoniais, uma vez que mesmo após a morte do autor, os chamados direitos morais permanecem protegidos indefinidamente. Em outras palavras, o criador original precisa ser sempre creditado e reconhecido.
Entenda sobre Direitos Patrimoniais e Direitos Morais do autor
Considerações finais
A principal razão para a existência do instituto é encontrar um equilíbrio entre o incentivo à criação artística e a garantia de que, em algum momento, as obras se tornem parte integrante do legado cultural da humanidade.
Os próprios estúdios da Disney se beneficiaram do acesso público a obras criativas, incorporando elementos de contos de fadas clássicos e histórias populares em suas produções.
Muitos dos filmes icônicos da Disney, como “Branca de Neve”, “A Bela Adormecida” e “Cinderela”, foram baseados em contos que, após entrar no domínio público, permitiram à Disney adaptar e reinterpretar essas narrativas de maneira única.
Graças ao domínio público, é possível aprender e estudar sobre grandes músicos, artistas, pensadores como Beethoven, Nietzsche e muitos outros sem muitas restrições criativas.
O acesso livre a suas obras permite que estudantes, pesquisadores e entusiastas explorem profundamente o legado cultural e intelectual dessas figuras proeminentes.
Referências
TEIXEIRA, Tarcisio. Direito empresarial sistematizado: doutrina, jurisprudência e prática / Tarcisio Teixeira. – 7. ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2018.
PLANALTO. Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9610.htm. Acesso em: 21 jan. 2024.