Atos Ilícitos na Internet: Quais são as Consequências?

Em um passado não muito distante, acreditava-se que a internet era uma terra sem lei, onde era possível se expressar de forma ilimitada sem se preocupar com possíveis consequências. No entanto, no início de 2024, o YouTuber Cellbit compartilhou em sua conta do X (antigo Twitter) prints de diversos usuários que o haviam acusado de cometer crimes, o que intensificou o debate sobre as falas e liberdade de expressão nas redes sociais e levantou questões sobre responsabilidade, difamação e segurança online.

Dentro desse contexto, surgem diversas dúvidas sobre o que constitui um ato ilícito na internet, quais são as suas consequências legais e como se proteger de possíveis violações. Assim, o objetivo deste texto será compreender os principais questionamentos e fornecer as devidas respostas.

Por Karolina Grabowska

Afinal, quais são os meus direitos na Internet?

Bom, a resposta é bem ampla e atinge várias vertentes do direito. Vamos começar pela Constituição Federal em seu famoso Artigo 5°:

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

Essa proteção se torna especialmente relevante nas plataformas digitais, onde a disseminação rápida e global de informações pode aumentar consideravelmente o potencial de violação desses direitos. Isso exige que as interações nas redes sociais sejam pautadas pelo respeito e privacidade, sob pena de eventual indenização.

A Lei 12.965/2014, também conhecida como Marco Civil da Internet, estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil, buscando conciliar a liberdade de expressão, a privacidade dos usuários e a segurança da rede. O Artigo 7° da referida lei lista os direitos e garantias dos usuários:

Art. 7º O acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania, e ao usuário são assegurados os seguintes direitos:

I – inviolabilidade da intimidade e da vida privada, sua proteção e indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; 

II – inviolabilidade e sigilo do fluxo de suas comunicações pela internet, salvo por ordem judicial, na forma da lei; 

III – inviolabilidade e sigilo de suas comunicações privadas armazenadas, salvo por ordem judicial; 

IV – não suspensão da conexão à internet, salvo por débito diretamente decorrente de sua utilização; 

V – manutenção da qualidade contratada da conexão à internet; 

VI – informações claras e completas constantes dos contratos de prestação de serviços, com detalhamento sobre o regime de proteção aos registros de conexão e aos registros de acesso a aplicações de internet, bem como sobre práticas de gerenciamento da rede que possam afetar sua qualidade; 

VII – não fornecimento a terceiros de seus dados pessoais, inclusive registros de conexão, e de acesso a aplicações de internet, salvo mediante consentimento livre, expresso e informado ou nas hipóteses previstas em lei; 

VIII – informações claras e completas sobre coleta, uso, armazenamento, tratamento e proteção de seus dados pessoais, que somente poderão ser utilizados para finalidades que: 

a) justifiquem sua coleta; 

b) não sejam vedadas pela legislação; e 

c) estejam especificadas nos contratos de prestação de serviços ou em termos de uso de aplicações de internet; 

IX – consentimento expresso sobre coleta, uso, armazenamento e tratamento de dados pessoais, que deverá ocorrer de forma destacada das demais cláusulas contratuais; 

X – exclusão definitiva dos dados pessoais que tiver fornecido a determinada aplicação de internet, a seu requerimento, ao término da relação entre as partes, ressalvadas as hipóteses de guarda obrigatória de registros previstas nesta Lei e na que dispõe sobre a proteção de dados pessoais;      

XI – publicidade e clareza de eventuais políticas de uso dos provedores de conexão à internet e de aplicações de internet; 

XII – acessibilidade, consideradas as características físico-motoras, perceptivas, sensoriais, intelectuais e mentais do usuário, nos termos da lei; e 

XIII – aplicação das normas de proteção e defesa do consumidor nas relações de consumo realizadas na internet.

Além disso, a lei estabelece responsabilidades para os provedores de internet e define diretrizes para a atuação do Estado na proteção da rede.

Quais são os limites da liberdade de expressão no âmbito da internet?

Conforme previsto no Art. 5° da Constituição Federal:

IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;

A liberdade de expressão é um direito que garante aos cidadãos a livre manifestação do pensamento. Essa liberdade abrange a expressão de ideias, opiniões, crenças e informações, independentemente de fronteiras territoriais e meios de comunicação.

Porém, é de suma importância compreender que esse direito não é absoluto e encontra limites quando entra em conflito com outros direitos igualmente fundamentais, como a dignidade humana, a honra, a privacidade e a segurança das pessoas.

Assim, a liberdade de expressão deve ser exercida evitando-se discursos de ódio, difamação, calúnia, injúria e outros tipos de manifestações que possam causar danos ou violar os direitos de terceiros.

Existe punição para crimes ocorridos na internet?

Sim. Os atos ilícitos cometidos na Web podem gerar punições conforme previstos no Código Penal. Os mais comuns são os crimes contra a honra, como por exemplo, difamação, injúria e calúnia. Entenda a diferença entre eles:

Calúnia -> é o ato de atribuir falsamente a alguém a prática de um crime. Em outras palavras, é quando alguém acusa outra pessoa de cometer um delito, mesmo sabendo que essa acusação é mentirosa. Pena – detenção, de 6 meses a 2 anos, e multa. 

Difamação -> por outro lado, consiste na divulgação de informações falsas que atingem a reputação ou a dignidade de alguém, ainda que não se refiram a um crime específico. Diferentemente da calúnia, na difamação não se acusa diretamente a pessoa de cometer um delito, mas se propaga algo que prejudica sua imagem perante terceiros. Pena – detenção, de 3 meses a 1 ano, e multa.

Injúria ->  a injúria, por sua vez, refere-se à ofensa à dignidade ou ao decoro de alguém, através de palavras, gestos ou atos que expressam desprezo, desrespeito ou menosprezo à pessoa. Um exemplo rápido seria dirigir insultos de cunho racial, religioso ou sexual a outra pessoa, visando depreciar sua integridade moral ou emocional. Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.

Além das penas no âmbito criminal, também é possível o infrator enfrentar consequências civis, através de indenizações por sua conduta ilícita. Segundo o Código Civil:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Os sites são responsáveis pelos conteúdos ofensivos de terceiros?

Não. Conforme o Artigo 18 do Marco Civil da Internet, o provedor de conexão à internet não será responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros.

Porém, como toda regra, há sua exceção. O Artigo 19 da mesma lei estabelece que: somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.

Resumidamente, os sites só podem ser responsabilizados por conteúdo de terceiros se não removerem o material após uma ordem judicial específica dentro do prazo indicado. Esse pedido de remoção ocorrerá após requerimento do ofendido perante as autoridades competentes.

No caso de compartilhamento por terceiros de conteúdo que envolva nudez ou atos sexuais sem autorização dos participantes do vídeo ou imagem, o site/provedor poderá ser responsabilizado de forma subsidiária se não remover esse conteúdo após notificação dos envolvidos.

Por fim

É fundamental que os usuários estejam cientes de seus direitos e responsabilidades ao utilizar a internet.  A mera alegação de liberdade de expressão não justifica práticas que violem os direitos fundamentais de outras pessoas, como a disseminação de discursos de ódio, difamação ou desinformação.

Em caso de dúvidas, é recomendável a consulta de um advogado especializado em direito digital para obter orientações precisas e esclarecimentos sobre questões legais. Assim, você poderá agir com maior segurança e conhecimento, garantindo seus direitos e evitando possíveis problemas judiciais.

Referências

PLANALTO. Código Civil. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso em: 08 abr. 2024.

PLANALTO. Código Penal. Decreto-Lei n° 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em: 08 abr. 2024.

PLANALTO. Marco Civil da Internet. Lei n° 12.965, de 23 de abril de 2014. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm. Acesso em: 08 abr. 2024.

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